2007/09/15

Terrakota (Portugal) / Obsidienne (França)

“Um tema de mbira, género musical tocado no Zimbabwe há mais de mil anos; uma improvisação em balafon do Burkina Faso (instrumento semelhante ao xilofone); uma dança dos Fang, do Norte do Gabão, também acompanhada por balafon; uma missa africana em estilo congolês e um canto dos índios Shawnee dos EUA, habitualmente entoado no fim das colheitas. São as heresias que abrem hoje as portas do Templo.”

1. Erica Kundidzora Azim - (6) Bangidza (5,15) “Mbira Dreams”
2. Gabin Dabiré - (9) Mamidi (3,45) “Afriki Djamana: Music from Burkina Faso”
3. Lambarena – (7) Pepa Nzac (0,18-4,24)(4,05) “Bach to Africa”
4. Muungano National Choir, Kenya – (1) Kyrie (2,28) “Missa Luba”
5. Yaki Kandru – (9) Canto de los Shawnee (2,16) “Music from The Tropical Rainforest & other Magic Places”

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A aventura dos Terrakota começou em 1999 e incidiu sobretudo no universo dos ritmos afro-americanos. Baseando-se em harmonias e ritmos tradicionais e populares africanos, piscando o olho às sonoridades das Antilhas e usando uma série de instrumentos de vários locais do planeta, os Terrakota executam uma interessante música de fusão, um autêntico caldeirão de culturas, onde cabem o Reggae, o Gnawa, Cuba, África e o Brasil.
Este ano, os Terrakota lançaram o álbum intitulado Oba Train, editado pela Gumalaka (surgida da união de esforços entre a editora Matarroa e a Radio Fazuma). Este terceiro álbum de originais dos Terrakota é uma amálgama de ritmos loucos e de sons de grande folia e espectáculo. De viagem em viagem, Oba Train mergulha nos ritmos quentes de África e da América e desliza nos carris do afro-beat, reggae, mbalax, soukous, raï, flamenco, salsa, zouk, samba, son... O Oba Train vai de continente em continente e expressa-se em português, wollof, inglês, yoruba, francês, dioula, espanhol, crioulo, árabe… A mensagem é de mestiçagem, respeito pela natureza e de crença num planeta melhor. “(...) É por aqui que o Oba Train nos leva, para um universo mais humano, para um espírito mais universal, e este comboio nunca pára (...)”
As participações especiais de Ikonoklasta, de Conductor do Conjunto Ngonguenha (Angola) e do lendário U-Roy (Jamaica) contribuem, ainda mais, para a riqueza de um dos melhores discos do ano.


(4) Sunnu Gal (6,57)
(6) Maghrebi (5,40)
(10) Watcha Gonna Dub (4,23)

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“Um tema da Guiné de apelo à diversão, um encontro feliz entre dois dos mais importantes músicos do Mali, uma melodia da região dos Fulani (tribo semi-nómada do sul do Senegal) e uma peça dos “griots” da Gâmbia (os trovadores transportadores da palavra através dos tempos). São os sons que encerram a primeira parte do Templo das Heresias.”

1. Hadja Kouyate et Ali Boulo Santo (2) Agné tolona (5,30) “Manding – Ko”
2. Ali Farka Touré & Toumani Diabaté (7) Ai Ga Bani (4,34) “In the Heart of the Moon”
3. Abou Djouba I (11) Tono (4,21) “Ambiances du Saharal Desert Blues”
4. Bolong Suso /… (15) Allah l’aake (3,30) “Jali Kunda:Griots of west Africa & Beyond”


2ª Hora

“Uma melodia arabo-andalusa do Médio Oriente, uma cantiga occitana extraída do manuscrito “Le roman de flamenca”, do séc. XIII, uma cantiga de Santa Maria, de Afonso X o sábio e um canto do trovador Uc de Saint-Cirq (séc. XIII). São os sons que abrem a 2ª parte do Templo das Heresias”.

1. L’Ensemble Aromates (9) Chanteur de taverne (4,33) “Jardin de Myrtes”
2. Troubadours Art Ensemble (2) Beutat d’amor (4,13) “Flamenca! L’ardente flamme d’amour”
3. Música antiga da UFF (9) Des Oge mais (5,00) “Cânticos de Amor e Louvor”
4. Paniagua/ Tre Fontane/ Serghini (5) Tres enemies e dos mals senhors ai …” (5,00) “Luz de la Mediterrania”

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A designação cantiga foi vulgarmente utilizada nos reinos castelhano e português, até meados do século XV, para se referir, na língua galaico-portuguesa, a uma composição poético-musical sagrada ou profana. De um total de aproximadamente duas mil cantigas galaico-portuguesas da Baixa Idade Média, existentes em vários cancioneiros, infelizmente apenas se conservaram com música as seis obras atribuídas ao jogral de Vigo Martim Codax e as pertencentes ao fabuloso espólio conhecido por “Cantigas de Santa Maria”.
A colecção de “Cantigas de Santa Maria” abarca 426 obras dedicadas à Virgem e foram compostas na segunda metade do século XIII, por volta de 1250-80, sob a direcção do então rei de Castela, Afonso X, el sábio (1221-1284). Pela sua coerência temática e formal, pela sua homogeneidade estilística, pelo seu número e até pela beleza dos próprios manuscritos que as contêm (alguns deles com luxuosas miniaturas), esta colecção tornou-se num fenómeno particular na história da música medieval e constitui o cancioneiro com mais variedade de temas acerca da Virgem Maria em toda a Europa.
Após as excelentes abordagens que Clemencic Consort, Sequentia, Grupo Sema, Jordi Savall, Alla Francesca, Esther Lamandier, Joel Cohen, Antequera, Ensemble Gilles Binchois e Eduardo Paniagua, entre outros, fizeram a este monumento medieval, e que aqui fomos destacando ao longo dos tempos, eis a vez da belíssima versão dos Obsidienne, um ensemble vocal e instrumental da Borgonha (França). Constituídos por dezasseis elementos e dirigidos por Emmanuel Bonnardot, os Obsidienne especializaram-se nos repertórios da Idade Média e do Renascimento e atingiram o auge da sua criatividade com o extraordinário registo “Miracle! Cantigas de Santa Maria d’ Alfonso el Sábio” (2007 Calliope), que aqui hoje destacamos.

(7) Quen na Virgen (6,25)
(3) Como somos per conssello(6,32)
(12) Non sofre Santa Maria (4,36)
(15) Mui gran dereit (2,12)

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“Um hino ao amor baseado num texto bíblico e um salmo de inspiração religiosa. São os sons que encerram o Templo das Heresias de hoje”.

1. Zad Moultaka (8) Ohrub (8,51) “Anashid”
2. Soeur Marie Keyrouz (4) Atiru ilayka ya Rabbi (9,30) “Psaumes pour le 3 ème Millénaire”

2007/09/05

Kal (Sérvia) / Delphine Aguilera & Marc Bellity (França/Tunísia)

“Uma canção de embalar da Grécia, um canto cigano da Rússia, uma voz misteriosa da Bulgária e um tema da Turquia sobre a procura da felicidade. São os sons que abrem hoje as portas do Templo das Heresias”.

1. Nikos Kypourgos with Savinna Yannatou (5) Slumber … (3,22) “Traditional Lullabies”
2. Lilya Shishkova & Rosy Na Snegu (8) Pavlina Kylya (4,17) “Russian Gypsy Soul”
2. Yanka Rupkina (3) Dafino (4,48) “World Connection”
3. Senem Diyici Quartet (4) Altin Hizma (5,50) “Morceaux choisis”

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Vindos provavelmente da Índia, bem antes do ano 1000, os ciganos nunca deixaram de contribuir para o desenvolvimento da cultura musical do planeta. Para onde quer que se dirigissem, ainda que vítimas da mais primária rejeição social e alvos da exacerbada crítica literária e cinematográfica, os ciganos continuam a manter as suas tradições. À margem das nossas evoluções tecnológicas e sociais, eles transportam consigo um Oriente quente, profundo e tribal.
Como nos recorda o historiador e filósofo Al-Firdusi, os ciganos cedo abraçaram um estilo de vida marginal, em que os músicos trocavam conhecimentos e prazer por dinheiro. À sua maneira, os músicos ciganos preservavam assim a tradição transmitindo-a através de emotivos cantos e declamações por poetas profissionais (como por ex. os “langa” ou “manghaniyar” do Rajastão ao serviço do seu mestre ou por músicos itinerantes como os ciganos do Afeganistão que cantam em “dari”, uma língua derivada do persa).
Desde a sua chegada à Europa no séc. XV, os músicos ciganos invariavelmente adaptaram o seu estilo com grande versatilidade às culturas que encontraram nas suas viagens. Nesse sentido o Húngaro Bártok considerou em 1933 que a denominação “música cigana” é, do ponto de vista científico, incorrectamente utilizada e aquilo a que se chama música cigana não é mais que a popular tocada por ciganos.
Ser-se cigano no séc. XXI na Sérvia implica navegar num campo de minas (social e cultural) potencialmente explosivo. Actualmente ninguém consegue abordar, com tanta propriedade, a história, os mitos, as tradições, os preconceitos e o orgulho comunitário cigano como o grupo Kal.
Revelando-se como a mais excitante banda dos subúrbios de Belgrado, os Kal acabaram de editar para a Asphalt Tango Records (2006) um registo sem título que funde as raízes dos blues dos Balcãs com o beat urbano.


(5) 5,56
(12) 4,25
(7) 3,29
(1) 4,43

“Um canto sagrado de Tagore, uma melodia dos montanheses do Tibete, um tema sobre a tranquilidade da noite em Gazli, no Uzbequistão e uma canção marroquina dos subúrbios magrebianos de Bruxelas. São os sons que encerram a primeira parte do Templo das Heresias”.

1. Evelyne Daoud (13 Akh Tagore …(4,44) “Chants sacrés / voix de femmes”
2. Yungchen Lhamo (3) Ari-lo (4,30) “Tibet, Tibet”
3. Sevara Nazarkhan (9) Gazli (5,35) “Yol Bolsin”
4. The Natacha Atlas & Marc Eagleton Project (3) Zitherbell (5,07) “Foretold in the Language of dreams”


2ª Hora

“Um texto da ilustre freira beneditina Hildegard Von Bingen, do séc. XII e um feliz encontro da música europeia com um canto devocional indiano”.

1. Ensemble Capella Floriani (2) O quanta … (8,58) “Songs of the Soul”
2. Aruna Saíram & Dominique Vellard (11) Naadabinda (7,42) “Sources: Devotional Chants of Southern Índia & Medieval Europe”

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Nos séculos XII e XIII, um leque de canções emergia pela pena das “trobaïritz” (poetisas) e dos “trobadors” (poetas). Estes trovadores, poetas mas também músicos e compositores, são os primeiros artistas profanos a surgir na Europa, mais precisamente na região de Limousin, estendendo-se depois a toda a Provença.
Por volta de 1160, a estrutura e a temática dos trovadores foram adaptadas pelos “trouvères” do pais d’Oil (norte de França), pelos “Minnesänger” na Alemanha e por outros trovadores da Itália e de Espanha.
O status e as origens sociais destes trovadores eram diversificados: Se Guillaume IX era duque da Aquitânia e Jaufré Rudel príncipe de Blaye, já Cercamon (“aquele que correu o mundo”) e Marcabru (conhecido também por “pena perdida”) eram simples jograis. Bernard de Ventadour, que sucedeu a Aliénor d’Aquitânia na corte de Inglaterra, um dos principais trovadores na 2ª metade do séc. XII, era filho de um servo do castelo de Ventadour e, portanto, também de origem humilde.
Por outro lado, as Trobaïritz como Contesse de Die, Azalaïs de Porcairages, Na Caslelloza, entre outras, eram damas cultas da nobreza que se dedicavam a contar histórias para serem cantadas ou declamadas.
A francesa Delphine Aguilera, especialista em repertórios líricos e poéticos, e o tunisino Marc Bellity, que toca cistre e mandola (acompanhados pelas percussões orientais de Mathias Autexier), recuperam os trovadores medievais em “Fin Amor” (Buda Musique 2007). Trata-se de um registo que privilegia o amor cortês, impregnado de valores heróicos próprios da cavalaria (humildade, reserva, submissão, lealdade e fidelidade sem mácula do cavalheiro à sua dama), um amor realista e carnal, não que se dirija ao adultério, mas que evoque emoções delicadas.


(3) Méditation sur le thème de la Sybille Na Carenza (Anonyme)) (4,33)
(1) Prélude sur Annus Novus in Gaudio (Recueil Limousin) / A Chantar (Beatriz de Dia) (5,56)
(9) Improvisation instrumentale (D’après une réponse de Hildegard Von Bingen) / Rei Glorios (Guiraud de Bornelh) / Ave Rosa Novella (Motet du XII siècle de l’école Notre Dame) (9,04)

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“Versões modernistas de composições do Llibre Vermell (séc. XIV), do manuscrito St. Martial, da abadessa beneditina do séc. XII Hildejard Von Bingen e de uma cerimónia religiosa. São os sons que encerram o Templo das Heresias”.

1. Hughes de Courson (1) Stella Splendens (4,45) “Lux Obscura: a medieval electronic project”
2. Pilgrimage (1) Campus Stella (5,10) “9 Songs of Ekstasy”
3. Garmarna (6) O vis aeternitates (3,40) “Hildegard Von Biñgan”
4. Lászlo Hortobágyi (4) Rex Virginum (6,00) “The Arcadian Collection”