2007/12/24

Faiz Ali Faiz/Duquende/Poveda (Paquistão/Espanha) / Ensemble Syntagma (Rússia/França)

“Uma homenagem ao maior tocador de kora (a harpa ocidental africana) de todos os tempos, uma canção sobre a aventura interpretada no dialecto bambara e uma história cantada por um griot e tocada no n’goni (pequeno alaúde de quatro cordas). São as heresias, provenientes do Mali, que abrem hoje as portas do Templo.”

1. Vieux Farka Touré - (10) Diabaté (9,17) “Vieux Farka Touré”
2. Taj Mahal / Toumani Diabaté - (2) Tunkaranke (6,30) “Kulanjan”
3. Filifin – (6) Wati (6,47) “Siran”

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“Existem imensas similaridades entre o Flamenco e o Qawwali, notórias, sobretudo, nas suas vocalizações viscerais, catárticas, a meio caminho entre a dor e o êxtase. Se bem que distintas sob o ponto de vista musical, é certo, no entanto, que ambas as expressões cumprem funções espirituais. O flamenco é uma música nitidamente profana, que se centra no quotidiano, ao passo que os qawwals são cantores e músicos muçulmanos, geralmente nómadas, que celebram o amor místico.
A relação estreita entre o flamenco e a arte do subcontinente indiano já se havia manifestado, por exemplo, em ‘Yerbagüena’ de Pepe Habichuela & The Bollywood Strings, lançado em 2001. Mais tarde, em 2006, pela mão da etiqueta Accords Croisés, surge o fabuloso projecto “Qawwali Flamenco”, uma edição especial luxuosa, que inclui um livro de quarenta páginas ilustradas, dois CDs e um DVD. Trata-se do encontro entre o Ensemble de Qawwali Faiz Ali Faiz, do Paquistão, e um quarteto espanhol, constituído por Duquende, Miguel Poveda, Chicuelo e Vigueras. Ao longo de onze longos e fascinantes temas, desfilam sons exclusivamente de flamenco, em que a guitarra de Chicuelo acompanha Duquende ou Poveda, que cantam tangos, malagueñas, granaínas ou soleá, existem canções exclusivamente de 'qawwali', em que a voz de Faiz Ali Faiz se faz acompanhar por coros, tabla e harmonium e surgem faixas onde o flamenco e o 'qawwali' interagem ao encontro do divino.
A intensidade de “Qawwali-Flamenco”, a sua complexidade, os seus sentimentos, as suas emoções e o seu valor musical podem ser ouvidos ao longo de quase duas horas, mas também vistos num DVD com aproximadamente uma hora, que regista o concerto no Festival de Fez (Marrocos), em Junho de 2005, sob os arcos do antigo palácio de Bab Makina.

CD 1 (1) Allah hu (13,29)
CD 2 (3) Tango al mar (9,56)

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“Felizes casamentos entre sonoridades tradicionais e outras formas de expressão contemporâneas: os norte americanos Bob Brorman, Bill Laswell e Roswell Rudd com o guineense Djeli Moussa Diawara, os etíopes Abyssinia Infinite e o maliano Toumani Diabaté. São os sons que encerram a primeira parte do Templo das Heresias”.

(1) Djeli Moussa Diawara & Bob Brozman (3) Almany (5,02) “Ocean Blues: From Africa to Hawai”
(2) Abyssinia Infinite (10) Ethiopia (6,15) “Zion Roots”
(3) Roswell Rudd’s Toumani Diabaté (1) Bamako (6,29) “Malicool”


2ª Hora

“Um poema trovadoresco do séc. XII (Beatriz de Dia) e uma cantiga de Santa Maria, de Afonso X, o sábio, do séc. XIII” na abertura da segunda parte do Templo das Heresias”.

1. Studio der Frühen Musik I (8) 11,46 “Troubadours”
2. Grupo Sema (I) (8) 7,53 “Las Cantigas de Afonso el Sábio”


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Os dicionários e enciclopédias referem-se, muitas vezes, a Gautier d’Épinal em artigos relacionados com a música de Lorraine. Vários escritores referem-se a uma personagem obscura da Idade Média, a quem são atribuídas de quinze a trinta canções.
A identificação deste trovador evoluiu consideravelmente a partir dos finais do século XIX. As recolhas de Marquis de Pange identificaram-no como o cavaleiro Gautier V d’Épinal, que nasceu entre 1205 e 1230 e morreu em 1272 e que pertenceu a uma notável família, governante da cidade de Épinal, desde o século XI.
Contudo, Robert Lug atribuiu a Gautier d’Épinal uma identificação completamente diferente, na sua publicação “Der Chansonnier de Saint-Germain-des-Prés. Das älteste volkssprachige Liederbuch Europas. Melodien, Notation, Entstehung, politisches Umfeld” (vol. 1-4, Peter Lang, 2007). De acordo com o Dr. Lug, Gautier d’Épinal era um clérigo, sobrinho do bispo de Metz, que morreu em 1232.
Independentemente de ter sido um senhor nobre de Ruppes ou um clérigo de Metz, o essencial de Gautier d’Épinal encontra-se na sua música. Verdadeiramente importante é que Gautier d'Epinal era uma figura notável na história da música e, indubitavelmente, o compositor mais brilhante e original da história de Lorraine. A criatividade melódica de Gautier ultrapassa largamente os clichés do seu tempo, deixando à melodia, transbordante de ornamentos, um curso livre. A energia das suas intonações criou uma expressividade impressionante. Gautier d'Epinal foi também um poeta-filósofo que ultrapassou as limitações da arte cortesã e antecedeu em cerca de meio século as inovações da Ars Nova (Trecento).
O Ensemble SYNTAGMA, especialista nos repertórios medieval, renascentista e barroco, fundado em 1995 por Alexandre Danilevski, compositor e músico de Saint-Petersbourg, depois do extraordinário "Trouvères en Lorraine", aborda a poesia e a música do trovador francês em “Gautier d'Epinal: Remembrance" (2007 Challenge Records Int.), sem margens para dúvidas, um dos registos do ano.


(02) Quand je voi l’erbe menue (4,45)
(11) Par son dolz comandemant (4,20)
(07) Aÿmansfinset verais (5,36)
(15) Quand je voi l’erbe menue (4,45)

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“Uma cantiga anónima do séc. XIII, uma cansó de Berenguer de Palol do séc. XII e uma canção trágica de Bernard de Ventadorn também do séc. XII. É com a poesia trovadoresca de Provença medieval que encerramos hoje o Templo das Heresias”.

3. Diabolus in Musica (14) Bele … (6,06) “La Doce Accordance: chansons de Trouvères”
4. Altramar (6) Dona …(8,00) “Iberian Garden, Vol.I”
5. Millenarium (3) Cen (5, 58) “Chansons de Troubadoures et Danses de Jongleurs”

2007/09/15

Terrakota (Portugal) / Obsidienne (França)

“Um tema de mbira, género musical tocado no Zimbabwe há mais de mil anos; uma improvisação em balafon do Burkina Faso (instrumento semelhante ao xilofone); uma dança dos Fang, do Norte do Gabão, também acompanhada por balafon; uma missa africana em estilo congolês e um canto dos índios Shawnee dos EUA, habitualmente entoado no fim das colheitas. São as heresias que abrem hoje as portas do Templo.”

1. Erica Kundidzora Azim - (6) Bangidza (5,15) “Mbira Dreams”
2. Gabin Dabiré - (9) Mamidi (3,45) “Afriki Djamana: Music from Burkina Faso”
3. Lambarena – (7) Pepa Nzac (0,18-4,24)(4,05) “Bach to Africa”
4. Muungano National Choir, Kenya – (1) Kyrie (2,28) “Missa Luba”
5. Yaki Kandru – (9) Canto de los Shawnee (2,16) “Music from The Tropical Rainforest & other Magic Places”

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A aventura dos Terrakota começou em 1999 e incidiu sobretudo no universo dos ritmos afro-americanos. Baseando-se em harmonias e ritmos tradicionais e populares africanos, piscando o olho às sonoridades das Antilhas e usando uma série de instrumentos de vários locais do planeta, os Terrakota executam uma interessante música de fusão, um autêntico caldeirão de culturas, onde cabem o Reggae, o Gnawa, Cuba, África e o Brasil.
Este ano, os Terrakota lançaram o álbum intitulado Oba Train, editado pela Gumalaka (surgida da união de esforços entre a editora Matarroa e a Radio Fazuma). Este terceiro álbum de originais dos Terrakota é uma amálgama de ritmos loucos e de sons de grande folia e espectáculo. De viagem em viagem, Oba Train mergulha nos ritmos quentes de África e da América e desliza nos carris do afro-beat, reggae, mbalax, soukous, raï, flamenco, salsa, zouk, samba, son... O Oba Train vai de continente em continente e expressa-se em português, wollof, inglês, yoruba, francês, dioula, espanhol, crioulo, árabe… A mensagem é de mestiçagem, respeito pela natureza e de crença num planeta melhor. “(...) É por aqui que o Oba Train nos leva, para um universo mais humano, para um espírito mais universal, e este comboio nunca pára (...)”
As participações especiais de Ikonoklasta, de Conductor do Conjunto Ngonguenha (Angola) e do lendário U-Roy (Jamaica) contribuem, ainda mais, para a riqueza de um dos melhores discos do ano.


(4) Sunnu Gal (6,57)
(6) Maghrebi (5,40)
(10) Watcha Gonna Dub (4,23)

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“Um tema da Guiné de apelo à diversão, um encontro feliz entre dois dos mais importantes músicos do Mali, uma melodia da região dos Fulani (tribo semi-nómada do sul do Senegal) e uma peça dos “griots” da Gâmbia (os trovadores transportadores da palavra através dos tempos). São os sons que encerram a primeira parte do Templo das Heresias.”

1. Hadja Kouyate et Ali Boulo Santo (2) Agné tolona (5,30) “Manding – Ko”
2. Ali Farka Touré & Toumani Diabaté (7) Ai Ga Bani (4,34) “In the Heart of the Moon”
3. Abou Djouba I (11) Tono (4,21) “Ambiances du Saharal Desert Blues”
4. Bolong Suso /… (15) Allah l’aake (3,30) “Jali Kunda:Griots of west Africa & Beyond”


2ª Hora

“Uma melodia arabo-andalusa do Médio Oriente, uma cantiga occitana extraída do manuscrito “Le roman de flamenca”, do séc. XIII, uma cantiga de Santa Maria, de Afonso X o sábio e um canto do trovador Uc de Saint-Cirq (séc. XIII). São os sons que abrem a 2ª parte do Templo das Heresias”.

1. L’Ensemble Aromates (9) Chanteur de taverne (4,33) “Jardin de Myrtes”
2. Troubadours Art Ensemble (2) Beutat d’amor (4,13) “Flamenca! L’ardente flamme d’amour”
3. Música antiga da UFF (9) Des Oge mais (5,00) “Cânticos de Amor e Louvor”
4. Paniagua/ Tre Fontane/ Serghini (5) Tres enemies e dos mals senhors ai …” (5,00) “Luz de la Mediterrania”

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A designação cantiga foi vulgarmente utilizada nos reinos castelhano e português, até meados do século XV, para se referir, na língua galaico-portuguesa, a uma composição poético-musical sagrada ou profana. De um total de aproximadamente duas mil cantigas galaico-portuguesas da Baixa Idade Média, existentes em vários cancioneiros, infelizmente apenas se conservaram com música as seis obras atribuídas ao jogral de Vigo Martim Codax e as pertencentes ao fabuloso espólio conhecido por “Cantigas de Santa Maria”.
A colecção de “Cantigas de Santa Maria” abarca 426 obras dedicadas à Virgem e foram compostas na segunda metade do século XIII, por volta de 1250-80, sob a direcção do então rei de Castela, Afonso X, el sábio (1221-1284). Pela sua coerência temática e formal, pela sua homogeneidade estilística, pelo seu número e até pela beleza dos próprios manuscritos que as contêm (alguns deles com luxuosas miniaturas), esta colecção tornou-se num fenómeno particular na história da música medieval e constitui o cancioneiro com mais variedade de temas acerca da Virgem Maria em toda a Europa.
Após as excelentes abordagens que Clemencic Consort, Sequentia, Grupo Sema, Jordi Savall, Alla Francesca, Esther Lamandier, Joel Cohen, Antequera, Ensemble Gilles Binchois e Eduardo Paniagua, entre outros, fizeram a este monumento medieval, e que aqui fomos destacando ao longo dos tempos, eis a vez da belíssima versão dos Obsidienne, um ensemble vocal e instrumental da Borgonha (França). Constituídos por dezasseis elementos e dirigidos por Emmanuel Bonnardot, os Obsidienne especializaram-se nos repertórios da Idade Média e do Renascimento e atingiram o auge da sua criatividade com o extraordinário registo “Miracle! Cantigas de Santa Maria d’ Alfonso el Sábio” (2007 Calliope), que aqui hoje destacamos.

(7) Quen na Virgen (6,25)
(3) Como somos per conssello(6,32)
(12) Non sofre Santa Maria (4,36)
(15) Mui gran dereit (2,12)

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“Um hino ao amor baseado num texto bíblico e um salmo de inspiração religiosa. São os sons que encerram o Templo das Heresias de hoje”.

1. Zad Moultaka (8) Ohrub (8,51) “Anashid”
2. Soeur Marie Keyrouz (4) Atiru ilayka ya Rabbi (9,30) “Psaumes pour le 3 ème Millénaire”

2007/09/05

Kal (Sérvia) / Delphine Aguilera & Marc Bellity (França/Tunísia)

“Uma canção de embalar da Grécia, um canto cigano da Rússia, uma voz misteriosa da Bulgária e um tema da Turquia sobre a procura da felicidade. São os sons que abrem hoje as portas do Templo das Heresias”.

1. Nikos Kypourgos with Savinna Yannatou (5) Slumber … (3,22) “Traditional Lullabies”
2. Lilya Shishkova & Rosy Na Snegu (8) Pavlina Kylya (4,17) “Russian Gypsy Soul”
2. Yanka Rupkina (3) Dafino (4,48) “World Connection”
3. Senem Diyici Quartet (4) Altin Hizma (5,50) “Morceaux choisis”

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Vindos provavelmente da Índia, bem antes do ano 1000, os ciganos nunca deixaram de contribuir para o desenvolvimento da cultura musical do planeta. Para onde quer que se dirigissem, ainda que vítimas da mais primária rejeição social e alvos da exacerbada crítica literária e cinematográfica, os ciganos continuam a manter as suas tradições. À margem das nossas evoluções tecnológicas e sociais, eles transportam consigo um Oriente quente, profundo e tribal.
Como nos recorda o historiador e filósofo Al-Firdusi, os ciganos cedo abraçaram um estilo de vida marginal, em que os músicos trocavam conhecimentos e prazer por dinheiro. À sua maneira, os músicos ciganos preservavam assim a tradição transmitindo-a através de emotivos cantos e declamações por poetas profissionais (como por ex. os “langa” ou “manghaniyar” do Rajastão ao serviço do seu mestre ou por músicos itinerantes como os ciganos do Afeganistão que cantam em “dari”, uma língua derivada do persa).
Desde a sua chegada à Europa no séc. XV, os músicos ciganos invariavelmente adaptaram o seu estilo com grande versatilidade às culturas que encontraram nas suas viagens. Nesse sentido o Húngaro Bártok considerou em 1933 que a denominação “música cigana” é, do ponto de vista científico, incorrectamente utilizada e aquilo a que se chama música cigana não é mais que a popular tocada por ciganos.
Ser-se cigano no séc. XXI na Sérvia implica navegar num campo de minas (social e cultural) potencialmente explosivo. Actualmente ninguém consegue abordar, com tanta propriedade, a história, os mitos, as tradições, os preconceitos e o orgulho comunitário cigano como o grupo Kal.
Revelando-se como a mais excitante banda dos subúrbios de Belgrado, os Kal acabaram de editar para a Asphalt Tango Records (2006) um registo sem título que funde as raízes dos blues dos Balcãs com o beat urbano.


(5) 5,56
(12) 4,25
(7) 3,29
(1) 4,43

“Um canto sagrado de Tagore, uma melodia dos montanheses do Tibete, um tema sobre a tranquilidade da noite em Gazli, no Uzbequistão e uma canção marroquina dos subúrbios magrebianos de Bruxelas. São os sons que encerram a primeira parte do Templo das Heresias”.

1. Evelyne Daoud (13 Akh Tagore …(4,44) “Chants sacrés / voix de femmes”
2. Yungchen Lhamo (3) Ari-lo (4,30) “Tibet, Tibet”
3. Sevara Nazarkhan (9) Gazli (5,35) “Yol Bolsin”
4. The Natacha Atlas & Marc Eagleton Project (3) Zitherbell (5,07) “Foretold in the Language of dreams”


2ª Hora

“Um texto da ilustre freira beneditina Hildegard Von Bingen, do séc. XII e um feliz encontro da música europeia com um canto devocional indiano”.

1. Ensemble Capella Floriani (2) O quanta … (8,58) “Songs of the Soul”
2. Aruna Saíram & Dominique Vellard (11) Naadabinda (7,42) “Sources: Devotional Chants of Southern Índia & Medieval Europe”

(Separador)

Nos séculos XII e XIII, um leque de canções emergia pela pena das “trobaïritz” (poetisas) e dos “trobadors” (poetas). Estes trovadores, poetas mas também músicos e compositores, são os primeiros artistas profanos a surgir na Europa, mais precisamente na região de Limousin, estendendo-se depois a toda a Provença.
Por volta de 1160, a estrutura e a temática dos trovadores foram adaptadas pelos “trouvères” do pais d’Oil (norte de França), pelos “Minnesänger” na Alemanha e por outros trovadores da Itália e de Espanha.
O status e as origens sociais destes trovadores eram diversificados: Se Guillaume IX era duque da Aquitânia e Jaufré Rudel príncipe de Blaye, já Cercamon (“aquele que correu o mundo”) e Marcabru (conhecido também por “pena perdida”) eram simples jograis. Bernard de Ventadour, que sucedeu a Aliénor d’Aquitânia na corte de Inglaterra, um dos principais trovadores na 2ª metade do séc. XII, era filho de um servo do castelo de Ventadour e, portanto, também de origem humilde.
Por outro lado, as Trobaïritz como Contesse de Die, Azalaïs de Porcairages, Na Caslelloza, entre outras, eram damas cultas da nobreza que se dedicavam a contar histórias para serem cantadas ou declamadas.
A francesa Delphine Aguilera, especialista em repertórios líricos e poéticos, e o tunisino Marc Bellity, que toca cistre e mandola (acompanhados pelas percussões orientais de Mathias Autexier), recuperam os trovadores medievais em “Fin Amor” (Buda Musique 2007). Trata-se de um registo que privilegia o amor cortês, impregnado de valores heróicos próprios da cavalaria (humildade, reserva, submissão, lealdade e fidelidade sem mácula do cavalheiro à sua dama), um amor realista e carnal, não que se dirija ao adultério, mas que evoque emoções delicadas.


(3) Méditation sur le thème de la Sybille Na Carenza (Anonyme)) (4,33)
(1) Prélude sur Annus Novus in Gaudio (Recueil Limousin) / A Chantar (Beatriz de Dia) (5,56)
(9) Improvisation instrumentale (D’après une réponse de Hildegard Von Bingen) / Rei Glorios (Guiraud de Bornelh) / Ave Rosa Novella (Motet du XII siècle de l’école Notre Dame) (9,04)

(Separador)

“Versões modernistas de composições do Llibre Vermell (séc. XIV), do manuscrito St. Martial, da abadessa beneditina do séc. XII Hildejard Von Bingen e de uma cerimónia religiosa. São os sons que encerram o Templo das Heresias”.

1. Hughes de Courson (1) Stella Splendens (4,45) “Lux Obscura: a medieval electronic project”
2. Pilgrimage (1) Campus Stella (5,10) “9 Songs of Ekstasy”
3. Garmarna (6) O vis aeternitates (3,40) “Hildegard Von Biñgan”
4. Lászlo Hortobágyi (4) Rex Virginum (6,00) “The Arcadian Collection”

2007/08/29

Tinariwen (Mali) / Duo Trobairitz (Inglaterra)

“Uma história palaciana sobre um rico Râjput da casta sodha do Rajastão e um tema de Qawwali do Paquistão de homenagem ao “enorme” Nusrat Fateh Ali Khan. Com estes sons vamos hoje abrir o Templo das Heresias”.

1. Chota Divana I (9) Khivaro (7.47) “ Chants de Palais et de Déserts”
2. Mehr & Sher Ali II (1) Shaama… (14.30) “ Hommage à Nusrat Fateh Ali Khan”

(Separador)

Provenientes da região de Kidal, a nordeste do Mali, os Tinariwen são um grupo de Tuaregues, berberes nómadas do Sahara, liderados pelo músico Ibrahim Ag Alhabib. No início eram três exilados entre as populações refugiadas em fuga do regime opressivo do Mali. Acolhidos num campo de treino militar de Kadafi, os Tinariwen aprenderam a lidar com armas, mas também com guitarras eléctricas, constituindo-se como grupo em 1979. As suas primeiras composições funcionaram como propaganda política dos rebeldes, e só em 2001 os Tinariwen ganharam identidade artística com a edição de “The Radio Tisdas Sessions”. Em 2004 os Tinariwen surpreenderam o mundo com a edição de “Amassakoul” (Emma Produtions/ Triban Union), um registo que mistura com sabedoria as sonoridades tradicionais tuaregues, mandingas, gnawas e árabes com os legados de gente como Chuck Berry, John Lee Hooker, Jimi Hendrix e Mick Jones. Em 2007, editam “Aman Iman: Water is Life”, para a Ponderosa e, uma vez mais, a música norte africana das regiões próximas do Sahara surge-nos injectada com blues, psicadelismo e acidrock em doses suficientes para que as guitarras e as fabulosas vozes masculinas e femininas que cantam manifestos políticos pareçam saídas de um outro planeta.
Depois de encantar em várias cidades portuguesas (Porto, Lisboa, Torres Novas e Loulé) e de “The Radio Tisdas Sessions” e “Amassakoul” se terem tornado conhecidos e apetecíveis, eis que finalmente “Aman Iman” é alvo de distribuição nacional, através da Megamúsica, razão mais do que suficiente para os voltarmos a destacar.

(1) Cler Achel (4.25)
(3) Matadjem Yinmixan (5.43)
(2) Mano Dayak (5.41)
(7) Imidiwan Winakalin (4.25)

(Separador)

“Um toque de soul e de blues existentes na música das regiões desérticas da Etiópia, um hino argelino à vida e à beleza da natureza e uma canção de amor característica da música árabo-andalusa. São os sons que encerram a 1ª parte do Templo das Heresias”.

1. Aster Aweke (6) Y’shebellu (7,25) “Aster”
2. Reinette L’Oranaise (1) Qum Tara (3,20 ) “Mémories”
3. Rosa Zaragoza (5) Btahi en modo sike (6,40) “Canciones de Judios, Cristianos y Musulmanes”


2.ª Hora:

“Temas do famoso Llibre Vermell de Montserrat, do séc. XIV, na abertura da 2.ª parte do Templo”

1. Ensemble Anonymus (Canadá) (9) Cuncti simus concamentes (5,27) “Llibre Vermell”
2. Ars Antiqua/Schola Cantorum de México (México) (2) Stella Splendens (9,02) “Llibre Vermell de Montserrat”
3. Theatrum Instrumentorum (Itália) (2) Los set goyts (4,55) “Llibre Vermell”

(Separador)

A dor do amor não correspondido, os prazeres da Primavera e o serviço cavalheiresco de um vassalo a uma dama são alguns dos temas das canções do disco “The Language of Love”, que nos faz entrar em contacto com diferentes aspectos do amor, tal como era abordado pela música e pela poesia dos trovadores medievais. Ao material literário existente nessa época é dada a designação de “canção do amor cortês”, embora agrupe diferentes géneros de canções. No Séc. XIII o tratado “Doctrina de compondre dictats” (Teoria da composição de poemas), atribuído a Jofre de Foixà, descreve pela primeira vez os diferentes tipos de poesia trovadoresca, entre outros, a canso, a alba, a dansa e o planh; por outro lado, menciona também as melodias dos poemas, a estrutura, a função e o modo de execução das canções.
Celebrando uma forma ideal de amor ou de paixão sexual, o conceito de amor cortês nasceu no séc. XII no Sul de França. Evoluiu depois para um código de conduta sofisticada e aristocrática, em que as mulheres eram apresentadas como objectos de adoração que se sobrepunham aos seus amantes. As regras tradicionais inverteram-se: a dama tornava-se no mestre e o senhor no humilde servidor. Na poesia dos trovadores o termo midons (“meu senhor”) era frequentemente usado para descrever a bem amada dama sempre desejosa de dominar o seu amante.
Os trovadores surgiram no Séc. XII e eram provenientes das cortes da Aquitânia, Poitou e Auvergne. Longe de serem entertainers ambulantes ou ministreis, eles eram de formação nobre e bem-educados; poetas hábeis, músicos e cantores, compunham poemas em língua d’Oc, também chamada occitana ou provençal. São estes trovadores medievais e é a temática do amor cortês que o Duo Trobairitz aborda em “The Language of Love” (Hyperion, 2007). Compõem o Duo, Faye Newton (soprano) e Hazel Brooks (vielle), que se conheceram na Guildhall School of Music and Drama, em Londres, onde começaram a partilhar a paixão pela música e poesia medievais. Subsequentemente trabalharam juntas no ensemble Concanentes e, em 2000, formaram o Duo Trobairitz, que aqui destacamos, para explorar o repertório cortês dos Trovadores.


(3) Lo rossinholet salvatge (Gaucelm Faidit) (9,50)
(10) Bele Doette (Anonymous) (9,04)

(Separador)

“Uma cantiga de amor, uma contrafacta, um romance sefardita e um tema da lenda de Tristão e Isolda. A música da época medieval no encerramento do Templo das Heresias”.

1. Anne Azéma (11) Caroles on “la verte olive” (7,43) “Le jeu d’Amour”
2. Supramúsica (7) Foi’o meu amigo (5,14) “Martin Codax: Cantigas de amigo”
3. Ensemble Wayal (1) Kuando el rey Nimrod (4,18) “Cantigas et Romances”
4. Joel Cohen (23) (3,31) “Tristan & Iseult”

2007/01/07

Akim El Sikameya (Argélia) / Anabela Duarte (Portugal)

“Uma canção do Alto Egipto sobre a beleza da aurora e dois temas hipnóticos dos poetas rebeldes Tuaregues do sul do deserto de Sahara. São os sons que abrem hoje as portas do Templo das Heresias”.

(1) Ganoub (10) Leli (6,26) “..en arabe veut dire sud”
(2) Tinariwen (3) Chatma (5,36) “Amassakoul”
(3) Tartit (2) Ansari (5,23) “Abacabok”

(Separador)

Akim nasceu no Orão, a capital do raï, de uma família proveniente do Tlemcen, um povoado onde o arabo-andaluz constitui o património cultural popular. Durante 16 anos, Akim frequenta a escola do famoso Nassim El Andalous, onde absorve a herança arabo-andalusa clássica, integrando, paralelamente, a orquestra do colégio Montesquieu. A ideia de modernizar a música arabo-andalusa para a tornar tão popular como o raï, leva Akim a fundar o grupo El Meya, que se torna conhecido por acrescentar a guitarra flamenca e o piano aos instrumentos tradicionais árabes e por transformar as noubas em canções. É, no entanto, a experiência do exílio que vai dar sentido à música de Akim. Em Marselha, começa por adoptar o apelido El Sikameya (cruzamento de sika e de meya, duas das noubas mais alegres da música árabo-andalusa) e editar em 1999 o álbum “Atifa-Oumi”, Nos últimos três anos, rodeia-se de vinte músicos argelinos, ingleses e franceses e edita “Aïni Amel”, um álbum onde Akim aboliu o tempo e as fronteiras da sua vida. Considera-o o seu jardim, a sua viagem interior, os seus olhos (Aïni) e a sua alma (amel); entre tradição e modernidade, Orão e Paris, alegria e nostalgia, é um jardim sem barreiras, situado no cruzamento de todas as fronteiras. Encarna os melhores aspectos da nossa época, feita de reencontros e mestiçagens, enquadrando elementos do universo árabo-latino, do Oriente místico, do flamenco, das cadências afro-hispânicas, das baladas serenas, das cores célticas, ciganas e brasileiras…


(15) 3,43
(5) 3,26
(12) 4,32
(6) 4,46
(8) 1,46

(Separador)

“Uma canção sobre os problemas causados pelo ciúme, um tema sobre as preocupações sociais e um encontro feliz entre a guitarra e a Kora. A música do Mali no encerramento da 1ª parte do Templo das Heresias”.

(1) Boubacar Traoré (1) (4,07) “Kongo Magni”
(2) Lobi Traore (13) (8,43) “Mali Blue”
(3) Ali Farka Toure & Toumani Diabate (7) (4,34) ”In the Heart of the Moon”




2ª Hora

“Um tema arabo-andaluz da Espanha Medieval, um canto trovadoresco do séc. XIII, um texto bíblico e uma cantiga de amigo de Martim Codax.”

(1) Calamus (6) Quddâm (8,06) “The Splendour of Al-Andalus”
(2) Eduardo Paniagua/ …(5) Tres enemics … (5,00) “Luz de la Mediterranea”
(3) Catherine Braslavsky (5) Beati (3,56) “Un jour d’entre les jours…”
(4) The Dufay Collective (1/) Quantas Saberes amar (5,49) “Music for Alfonso the Wise”

(Separador)

Tendo desenvolvido uma longa carreira de compositora e intérprete na área da música pop e experimental, Anabela Duarte manteve simultaneamente a sua ligação ao canto clássico e ao teatro musical. Aliando intuição e conhecimento, seriedade e desenvoltura, a sua capacidade como cantora que domina múltiplos géneros foi sempre reconhecida, o que a coloca num lugar muito especial da nossa história do canto.
A prova disso encontra-se no seu novo registo discográfico “Machine Lyrique” (2005 Dargil), onde o jazz, a pop e o cabaret mais requintado se unem para produzir diferentes e divertidas interpretações de clássicos de Boris Vian e Kurt Weill.
Boris Vian (1920-1959), Baron Visi e Vernon Sullivan são três nomes para o mesmo homem multifacetado e cuja vida correu em linhas tão imprevisíveis (para não dizer desorganizadas) que, em várias alturas, trabalhou em profissões tão diferentes como engenheiro, tradutor, trompetista de jazz, cantor, romancista e colunista. Embora melhor conhecido pelo seu brilhante romance L’Écume des jours, a produção de Vian também inclui thrillers escritos sob o nome de Vernon Sulivan, peças de teatro, contos e canções.
Como Vian, Kurt Weill (1900-1950) era um artista sem medo de cruzar fronteiras, se bem que nunca as tenha abolido de modo tão radical. Afirmou-se como compositor com a ópera O Protagonista, estreada em 1926, mas já era notória a sua intenção de trabalhar no teatro musical. Um objectivo que atingiu o seu apogeu através da sua colaboração com Bertolt Brecht. Após fugir da Alemanha Nazi em 1933, continuou a sua obra em Paris, e mais tarde nos EUA, onde ficou até à sua morte. E é através das obras de colaboração com Brecht – tais como A Ópera dos Três Vinténs (1928), A Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny (1930) e Os Sete Pecados Mortais (1933) – que continua a ser mais conhecido.
Graças à sua interpretação de Boris Vian e Kurt Weill, Anabela Duarte fez de “Machine Lyrique” uma obra de referência da sua carreira.


(2) 4,01
(3) 2,25
(10) 2,01
(12) 3,25
(13) 4,21

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“Uma canção à Virgem Maria de Gautier de Coinci, uma cantiga trovadoresca de Lorraine, uma cantiga de amigo e uma cantiga de amor. Composições do séc. XIII no encerramento do Templo das Heresias.”

(1) Ensemble Alegria (França) (2) Quand voi… (5,54) “Gautier de Coinci: Les miracles de Nostre-Dame”.
(2) Ensemble Syntagma (Rússia/…) (10) Toz esforciez …(6,33) “Touz Esforciez: Trouvères en Lorraine”.
(3) Jordi Savall/... (Espanha) (1) Quantas Sabedes amar (0,3-4,34) “Du Temps et de l’instant”.
(4) Paulina Ceremuzynska (Polónia) (2) O que vos nunca cuidei a dizer (5,30) “Cantigas de amor e de amigo”.